Manejo Integrado de Pragas: uma estratégia de gestão


Autores: José Roberto Salvadori
Publicado em: 28/02/2020

Introdução

Ao longo de mais de quatro décadas temos difundido os conceitos do Manejo Integrado de Pragas (MIP) em aulas, palestras e treinamentos técnicos e exercitado a sua prática em campo visando o controle de pragas em plantas de lavoura, especialmente nas culturas de soja, milho e trigo.

Apesar de ser uma tecnologia com vantagens inquestionáveis sob os pontos de vista econômico, social e ambiental, o nível de adoção do MIP, atualmente, está aquém do desejável.
O objetivo deste artigo é, através do esclarecimento, da informação e de algumas reflexões, divulgar e promover a adoção do manejo integrado de pragas na produção vegetal.

Conceitos

Os pesticidas químicos e biológicos são os meios de controle de pragas mais empregados atualmente. Porém o uso desregrado e sem critérios de alguns ingredientes ativos químicos tem revelado, ao longo do tempo, que podem trazer efeitos secundários indesejados, como: ressurgência e resistência das pragas; surtos de espécies de pragas até então secundárias; impacto negativo sobre insetos úteis (inimigos naturais das pragas, polinizadores); e persistência no ambiente, além do risco à saúde humana. O MIP é uma resposta da comunidade técnico-científica à demanda da sociedade por soluções de controle de pragas que mitiguem os efeitos negativos potenciais de pesticidas químicos.

O MIP é uma estratégia de controle das pragas que ocorrem em plantas cultivadas e podem provocar perdas quantitativas e qualitativas na produção. Baseia-se na aplicação integrada de todos os meios disponíveis para evitar que as populações de organismos fitófagos (herbívoros) atinjam níveis capazes de causar perdas econômicas. Tais meios incluem informações e conhecimentos sobre o ecossistema “planta-praga-ambiente” e medidas ou métodos de controle propriamente ditos (Figura 1).

A prática do MIP leva em consideração alguns princípios básicos (pressupostos ou filosofia do MIP) e utiliza técnicas de avaliação do ecossistema e técnicas de intervenção criteriosa na população de pragas. Tais princípios e técnicas devem ser integrados num processo com o propósito de evitar ou minimizar os efeitos deletérios que os organismos fitófagos podem vir a causar frente aos objetivos dos produtores agrícolas. Esta integração precisa ser compreendida para que o MIP seja aceito e praticado por técnicos e agricultores.

Princípios básicos do MIP

Nem todo o organismo que se alimenta de plantas, como insetos, ácaros, diplópodes e moluscos, é praga. O status de praga depende de vários fatores como, por exemplo, do hábito alimentar, do potencial de dano e do nível po­pulacional do herbívoro e da sus­cetibilidade da planta ao ataque do mesmo. É óbvio que um pequeno orifício feito por um inseto clesfolhador em uma planta de folhagem exuberante, não implica em perda na capacidade produtiva da mes­ma. Já a possibilidade que haja dano por um inseto que ataca di­retamente o que se quer produzir, como por exemplo um sugador de grãos, é maior. Este último raciocí­nio também é válido para insetos vetores de fitopatógenos (agentes causais de doenças de plantas), os quais podem transmitir patógenos e provocar prejuízos mesmo quan­do presentes em baixas densida­des populacionais. Em produtos agrícolas comercializados in natura (frutos, legumes, tubérculos) o conceito de praga assume conota­ção muito particular pois a aceita­ção do consumidor pode esbarrar em aspectos qualitativos e na apa­rência do produto.

Na realidade, os herbívo­ros mastigadores e sugadores são componentes naturais das ca­deias alimentares, consumidores de grande relevância ecológica, e a classificação dos mesmos como nocivos é uma visão nitidamente antropocêntrica. Nos agroecossistemas, quando se aumenta a dis­ponibilidade de material vegetal vivo, se está oferecendo condições para o crescimento populacional dos organismos que o utilizam como recurso alimentar.

Outro pressuposto é que as populações de organismos poten­cialmente pragas flutuam natural­mente ao longo do tempo, crescem e decrescem em função da dispo­nibilidade e adequação do alimen­to e por força de fatores bióticos (inimigos naturais) e abióticos (cli­ma). É por isso que a incidência de pragas varia entre locais na mes­ma estação do ano e entre estações do ano, num mesmo local. Dentro de uma certa cultura ou sistema de produção, geralmente, o alimento não é limitante ao crescimento po­pulacional dos herbívoros. Nesse caso, como limitadores naturais, resta contar com adversidades cli­máticas e com o controle biológico
natural. Condições de temperatura desfavoráveis e/ou a ação de pre­dadores, parasitoides e patógenos podem evitar que uma infestação inicial evolua e que a população cresça na direção do nível capaz de causar perdas. Igualmente, es­tes mesmos fatores podem fazer com que uma população que já esteja próxima ao nível de causar dano diminua abrupta ou paulati­namente.

Para se fazer manejo de pragas é imprescindível acredi­tar nestes fatos, que fazem parte da mortalidade natural dos orga­nismos consumidores de plantas dentro da cadeia alimentar.

Conhecimento do sistema "planta-praga-ambiente"

Avaliações para o conhe­cimento dos componentes do ecossistema envolvido, compos­to, basicamente, pelas plantas e pelas pragas, ambas sob o efeito do ambiente, são pré-requisitos operacionais imprescindíveis no manejo das pragas. Não é possível fazer MIP sem avaliar e conhecer o ecossistema envolvido.

Em relação à planta, é fundamental conhecer a fenologia da cultura, as fases quando é mais ou menos suscetível às injúrias das pragas e, caso existam, os níveis de tolerância a injúrias. Sobre as pragas, é necessário conhecer que espécies ocorrem, reconhecer as principais (“pragas-chave”) (Figura 2) e a respectiva dinâmica populacional (densidade ao longo da estação), ciclo de vida, comportamento alimentar etc. Quanto ao ambiente, é preciso ter ciência dos inimigos naturais das pragas que ocorrem e da importância relativa de cada um. Um dos pontos mais importantes do MIP é preservar o controle biológico natural exercido por predadores, parasitoides e patógenos das pragas. Ainda com relação ao ambiente, o manejo integrado de pragas não pode deixar de considerar os efeitos, positivos e negativos, do clima sobre todos os componentes vivos do sistema.

Intervenção na população de pragas

Se por um lado, a avaliação prévia do ecossistema é uma operação determinante para definir tanto a necessidade e como o momento do controle, a escolha das medidas de controle adequadas é um procedimento decisivo para o sucesso do MIP. Além da economicidade e da comprovada eficácia de controle, devem ser preferidas as medidas mais seguras para os humanos e as menos agressivas ao meio ambiente, dentre as disponíveis.

O MIP, em última instância, tem como propósito controlar pragas. A diferença entre “manejo” e “controle” de pragas não está, portanto, na finalidade, que é a mesma. Porém, dentro da filosofia do MIP, a intervenção na população de pragas deve ser criteriosa sob o ponto de vista econômico e também levar em consideração aspectos ambientais e sociais. Assim, antes de intervir no ecossistema “planta-praga-ambiente” é necessário questionar a necessidade e a oportunidade de fazê-lo.

O controle de pragas, dentro ou fora do contexto do MIP, é obtido através da aplicação dos denominados de métodos, técnicas ou táticas de controle, que são medidas de natureza física, química ou biológica, entre outras, empregadas para interferir negativamente (controlar) na população das pragas. Didaticamente, os métodos de controle de pragas são classificados em: legislativos (leis, portarias), mecânicos (catação/ destruição manual ou com equipamentos), físicos (fogo, inundação, barreiras), resistência genética de plantas, comportamentais (repelentes e atraentes, incluindo feromônios), culturais (rotação de culturas, época de semeadura, manejo do solo), biológicos (inimigos naturais, bio-pesticidas) e químicos (pesticidas), entre outros.

Em relação ao momento em que são aplicados frente à ocorrência das pragas, os métodos de controle são classificados em preventivos (p. ex.: conservação de inimigos naturais das pragas, manejo do solo e de resíduos culturais, rotação de culturas, época de semeadura, cultivares resistentes) e curativos (p. ex.: aplicação de inseticidas químicos ou biológicos, liberação massal de inimigos naturais).

O leque de medidas de controle disponíveis varia grandemente com a praga-alvo, a cultura e o sistema de produção. Para cada caso e situação caberá uma avaliação sobre eficácia técnica, custo, disponibilidade e compatibilidade com o MIP.

Atualmente, em plantas de lavoura, os inseticidas representam a principal medida de controle de pragas. Porém, é importante não confundir o manejo de inseticidas com o manejo de pragas. O manejo de inseticidas, que considera a escolha do produto, o momento de aplicar, o espectro e do modo de ação em relação a insetos e plantas (ingestão, contato, sistemicidade, profundidade etc.), o efeito residual, o prazo de carência, o manejo da resistência das pragas etc., é muito importante, mas é apenas um dos componentes do MIP. Inseticidas seletivos ou empregados seletivamente representam uma das ferramentas com grande potencial de uso no MIP.

A prática do MIP

Dentro de uma certa cultura (ou sistema de produção), a prática do MIP se materializa a partir das respostas a um protocolo de perguntas: a) Quais são as pragas que ocorrem e/ou estão ocorrendo? b) Em que quantidade estão presentes? c) Qual a fase fenológica em que se encontram as plantas? d) Quais as condições climáticas atuais e as previstas para a estação ou para o restante da safra? e) Que medidas de controle estão disponíveis para serem aplicadas? Pelos menos as quatro primeiras respostas são dadas pelo procedimento-chave do manejo integrado de pragas, o monitoramento.

Monitorar é acompanhar periodicamente como a cultura está se desenvolvendo, se está ocorrendo pragas e o que está acontecendo com a população delas, sem tirar os olhos de como está o restante do ambiente associado (condições climáticas, presença de inimigos naturais das pragas). O monitoramento deve ser aplicado continuadamente e não ficar restrito apenas a momentos em que as infestações de pragas são percebidas, exigindo soluções emergenciais.

No monitoramento, o levantamento da situação é feito através de amostragens. O método de amostragem e o número de amostras empregados variam para cada caso, em função do tipo da praga e da cultura/sistema. A determinação, com um grau de precisão aceitável, da densidade populacional da praga ou de suas injúrias dará suporte à decisão sobre a necessidade ou não da aplicação de medidas de controle.

Considerando pragas da parte aérea das plantas, em culturas anuais e de pequeno porte, como a soja, o pano-de-batida (Figura 3) é o método mais utilizado para levantamento qualitativo e quantitativo de pragas (nº/m² ou nº/metro de linha). Em milho e em trigo, a avaliação direta da presença de pragas nas plantas tem se mostrado suficiente. Avaliações indiretas, como a percentagem de plantas atacadas e o nível de desfolha (Figura 3) também são de uso comum. Armadilhas com atraentes, alimentares ou sexuais (feromônios), também podem ser empregadas com o objetivo de constatar as espécies que estão ocorrendo e/ou estimar a quantidade de pragas, com a finalidade de tomar decisões de combate.

A tomada de decisão para controle de pragas no MIP baseiase em critérios quantitativos que, geralmente, são parâmetros indicativos do tamanho da população de pragas em que medidas de controle devem ser aplicadas. Para que um inseto, ácaro ou outro organismo fitófago seja considerado praga, deve estar presente numa quantidade (nível populacional) suficiente para, potencialmente, causar uma perda cujo valor, no mínimo, se equipare ao que seria gasto para evitar essa perda, ou seja, um limiar de dano econômico. Assim, considera-se que um organismo fitófago só passa a ser praga quando presente num nível populacional capaz de causar uma perda equivalente ao custo do seu controle. Este limiar populacional é denominado nível de dano econômico (NDE) que, expresso em percentagem, pode ser estimado pela fórmula: NDE (%) = (Custo do controle/Valor da produção)100. Sempre que o custo do controle diminui e/ou aumenta o valor estimado para aquilo que vai ser produzido, diminui o limiar de dano (tolera-se menos danos/pragas) e vice-versa.

Todavia, na prática, o controle emergencial (curativo) de uma praga deve ser feito antes que ela atinja o NDE, num momento conhecido como nível populacional de ação (NA) ou nível populacional de controle (NC). A diferença entre o NA e o NDE é uma margem de segurança, para que haja tempo de o controle ser aplicado. Para cada cultura e praga, normalmente, o NA é uma generalização indicada por pesquisadores ou entidades de pesquisa. Deve ser visto e usado como uma referência de suporte à tomada de decisão e não uma obrigatoriedade numérica. Há situações em que o NA precisa ser adaptado, ajustado ao tamanho de área, à disponibilidade de máquinas e equipamentos, às condições climáticas etc. Por outro lado, considerando que o NA não está determinado para todas as culturas e pragas, outros critérios de apoio a decisões de controle podem ser adotados, como o histórico de ocorrência de pragas, a própria experiência de quem decide etc.

Manejar pragas não significa apenas ter critérios para tomar decisões de aplicar ou não medidas curativas de controle. Aplicações preventivas de pesticidas, sem a presença de pragas, em princípio, não estão em acordo com a filosofia do MIP. Porém, ações de prevenção como a busca de assincronia fenológica da cultura com as pragas através da época de semeadura, a rotação de culturas para suprimir a fonte alimentar de pragas específicas, o uso de cultivares resistentes a pragas, entre outras, são medidas inteiramente compatíveis com o MIP. Nesse sentido, merece ser citado o tratamento de sementes com inseticidas que além visar pragas já presentes por ocasião da semeadura pode alcançar outras pragas iniciais de ocorrência posterior. O alcance restrito dos inseticidas aplicados via sementes, que atinge pragas de solo e/ou algumas espécies da parte aérea das plantas, representa um meio seletivo de controle, característica desejável no MIP.

Considerações finais

O manejo integrado de pragas não é um método e nem mesmo a simples integração de métodos para controle de pragas. Não representa, tão pouco, uma posição extremista de não usar pesticidas químicos, mas sim de usá-los racionalmente e sob o domínio mais completo possível das circunstâncias e das consequências. É uma filosofia, uma maneira de encarar o problema de pragas agrícolas, considerando a ideia tolerar e de conviver com as mesmas até um certo ponto, quando realmente se tornam importantes sob o ponto de vista econômico e se justifica o controle. Pressupõe planejamento, racionalidade, análises de custo-benefício e preocupação com o ambiente associado. Deve ser visto como uma estratégia de gestão das pragas agrícolas, sistêmica e multilateral, que vai além dos limites espaciais e temporais do sistema de produção, dentro do qual é um processo contínuo. Em culturas anuais, não se restringe a apenas uma cultura e a uma safra e sim a todas as culturas usadas em sucessão e em rotação, incluindo também as entressafras. O emprego de todos os meios disponíveis, de forma integrada, criteriosa e ambientalmente amigável, para evitar que organismos fitófagos causem danos econômicos às plantas cultivadas, traz como consequência o uso racional dos pesticidas e de outras medidas artificiais de controle, diminuindo custos financeiros e riscos ambientais e para as pessoas.