Remoção de solo simulando erosão revela redução drástica na produtividade da soja


Autores:

Paulo Ivonir Gubiani1, Marcos Centurión Gutiérrez2, Beatris Tobin Schopf2, Maria Eduarda do Prado Boemo3, Suellen Samara Passos Aguiar4

Publicado em: 15/12/2025

Motivações para o estudo

A percepção que mais revela o aspecto danoso da erosão do solo é composta pelos sulcos por ela abertos nas lavouras e pelos sedimentos acumulados em partes baixas do terreno, dentro de açudes e leito de rios.  Outros danos como a remoção de elementos químicos e compostos orgânicos que levados pela água espalham contaminação ambiental são menos perceptíveis ou até mesmo invisíveis. Estimativas de danos causados por erosão do solo durante as enchentes que ocorreram no Rio Grande Sul em abril/maio de 2024 indicaram perdas de 7,3 a 20 toneladas de solo por hectare, que causaram prejuízos entre R$ 174,43 a R$ 587,53 por hectare (Levien et al, 2024). Levantamento de órgãos oficiais à época revelaram números alarmantes também para os prejuízos decorrentes da perda da produção de soja, milho, arroz, feijão e outras culturas que ainda não haviam sido colhidas (EMATER, 2024).

Prejuízos ainda pouco mensurados são os herdados da erosão do solo e que se manifestam nas safras posteriores por meio do decréscimo da produtividade nas porções de solo erodido. As plantas que crescem em solo erodido apresentam deficiências nutricionais e maior sensibilidade ao estresse hídrico, mas o decréscimo de produtividade decorrente disso é a informação mais importante que o agricultor precisa conhecer para saber a magnitude das perdas que permanecem como passivo deixado pela erosão.
Por isso, o impacto da remoção de solo por erosão na produtividade das plantas foi o aspecto principal que motivou a condução deste estudo piloto. A cultura da soja foi objeto de estudo porque ela é anualmente cultivada nas três lavouras avaliadas. Assim, este estudo apresenta o impacto da remoção de 3 e 6 cm da superfície do solo nos componentes de rendimento e na produtividade da soja e aponta riscos decorrentes da estratificação da fertilidade do solo.

Metodologia

A pesquisa foi realizada em três lavouras no município de Ivorá-RS, com menos de 1 km de distância entre elas. A variabilidade de solo nas três lavoras abrange as classes Neossolos Litólicos, Neossolos Regolíticos e Cambissolos, com predomínio de Neossolos Regolíticos (solos rasos, com pedregosidade e profundidade aproximada nessas lavouras entre 20 e 80 cm), semelhantes ao perfil exposto na Figura 1. As lavoras vem sendo manejadas em plantio direto por, pelo menos, 20 anos.

 As parcelas experimentais foram instaladas logo após a colheita da soja, em abril de 2024. Nas três lavouras, denominadas de área 1, área 2 e área 3 (A1, A2, A3), uma área de 4,0 x 5,5 m foi delimita. Cada área foi subdividida em três parcelas (Figura 2a). Uma das parcelas sofreu remoção de 6 cm de solo, a segunda sofreu remoção de 3 cm de solo e na terceira não houve remoção de solo.

Previamente à instalação do experimento, amostras de solo foram coletadas para análises químicas. Com auxílio de uma pá de corte, camadas de solo de 0 a 3 cm, 3 a 6 cm e 6 a 10 cm foram coletadas em todas as parcelas, na entrelinha da soja do cultivo anterior. Em cada área, as três subamostras de cada profundidade foram homogeneizadas, acondicionadas em embalagens plásticas e enviadas ao Laboratório de Análise de Solos da UFSM, para descrição da condição química do solo nas camadas avaliadas (Figura 3).

Logo após a preparação das áreas (Figura 2a) ocorreu a semeadura do trigo, que permaneceu até outubro de 2024. Após a colheita do trigo, soja foi semeada em 20/10/2024 na área A1, 15/11/2024 na área A2 e 25/10/2024 na área A3. A semeadura foi feita em linhas com espaçamento de 45 cm e densidade de 222 mil sementes por hectare. As cultivares semeadas foram Zeus na área A1, TMG 7362 na área A2 e Pirapó na área A3. A adubação foi definida pelos proprietários das áreas e feita na linha de semeadura com 200 kg/ha da formulação 02-23-23 de N-P2O5-K2O. Os proprietários também fizeram o controle de plantas daninhas, pragas e doenças baseados em suas experiências sobre produtos e momentos de aplicação mais adequados.

Quando a soja atingiu maturação para a c

olheita, as plantas de três linhas de cada parcela foram cortadas e levadas ao laboratório. A colheita ocorreu em 15/03/2025 na área A1, 12/04/2025 na área A2 e 15/03/2025 na área A3. Em cada planta, as variáveis altura, número de nós na haste principal, número de legumes e peso de grãos foram quantificadas. Com o peso total de grãos de todas as plantas colhidas em cada parcela e a área útil colhida (3 x 0,45 m x 4 m = 5,4 m2) foi calculada a produtividade obtida na parcela e expressa em toneladas de grãos por hectare. Com isso, nove valores de produtividade foram obtidos (3 áreas x 3 níveis de remoção de solo). 

Nas análises estatísticas, testes não paramétricos foram usados porque os três níveis de remoção de solo não foram aleatorizados nem repetidos em cada área. Além disso, a semeadura da soja não ocorreu na mesma data e cada área recebeu uma cultivar diferente. Para as variáveis altura, número de nós na haste principal, número de legumes e peso de grãos por planta, as plantas de cada parcela foram consideradas as repetições. Em cada área separadamente, o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis foi usado para identificar se essas variáveis foram afetadas pelos níveis de remoção de solo.

A produtividade foi relativizada dentro de cada área, ou seja, os três valores foram divididos pela maior produtividade obtida na área. Com os nove dados de produtividade relativizada, o teste de Kruskal-Wallis foi aplicado para identificar se a produtividade relativa foi afetada pelos níveis de remoção de solo. Em todos os casos em que o teste de Kruskal-Wallis indicou diferenças significativas, o teste de Dunn foi usado para discriminar as semelhanças e diferenças. Todas as análises foram realizadas com a macro KW_MC do sistema SAS (Elliott and Hynan, 2011).

Resultados e discussão

Nas três áreas, a remoção de solo diminuiu a quantidade de plantas estabelecidas, a altura das plantas, a quantidade de legumes e o peso de grãos por planta (Figura 4). Embora o decréscimo causado pela remoção de 3 cm de solo nem sempre foi estatisticamente significativo, a remoção de 6 cm de solo causou impacto negativo e estatisticamente significativo em quase todas as variáveis, exceto para a quantidade de plantas estabelecidas na área A3. O peso de mil grãos não foi afetado pela remoção de solo e variou entre 184 e 188 g na área A1, 149 e 157 g na área A2 e 144 a 157 na área A3.

O impacto negativo da remoção de solo no número de plantas estabelecidas e/ou número de legumes por planta (Figura 4) implicou em queda drástica da produtividade de grãos por hectare (Figura 5), que em qualquer caso foi baixa também por escassez de chuva em janeiro de 2025 (Figura 2b). A Figura 5a mostra a produtividade nas parcelas individuais (sem repetição) de cada nível de remoção de solo (0, 3 e 6 cm) das áreas A1, A2 e A3, e a Figura 5b mostra o comparativo do impacto dos níveis de remoção de solo na produtividade relativa para o conjunto das três áreas. A diferença de produtividade entre os níveis 3 e 6 cm de remoção de solo variou de 0,2 a 0,3 t/ha (Figura 5a) e a produtividade não foi sempre menor no nível 6 cm de remoção de solo nem diferiu estatisticamente da produtividade observada no nível 3 cm de remoção de solo (Figura 5b). A remoção de 3 e 6 cm de solo causou de 26 a 58 % de decréscimo na produtividade relativa. Em média, a produtividade relativa dos locais com 3 e 6 cm de remoção de solo foi de 61% e 58% em relação à produtividade obtida sem remoção de solo (Figura 5b), ou seja, um decréscimo médio de uma tonelada de soja por hectare.

Importante frisar que os resultados desse estudo piloto revelam o impacto negativo que a remoção superficial de solo teve na produtividade da soja em uma situação em que não foram tomadas medidas de correção da acidez e dos teores de nutrientes após remoção das camadas de 3 e 6 cm. Por exemplo, a retirada da camada de 6 cm de solo resultou numa nova superfície de semeadura em solo com pH entre 4,1 e 4,9, satua&cced

il;ão por bases entre 24,4 e 44,1% e saturação por alumínio entre 7,9 e 26,4 %, condição que evidentemente requer correção química antes de um novo plantio (Figura 3). Sem a correção dessas condições químicas, o decréscimo de produtividade é altamente provável, como aconteceu (Figura 5).

Decréscimo drástico de produtividade também aconteceu com a remoção de apenas 3 cm de solo (Figura 4b). Para essa situação, a necessidade de correção química do solo antes de um novo plantio tem que ser considerada. Porém, o mais impactante é perceber que a produtividade de uma lavoura pode estar sendo definida pelos primeiros centímetros da porção superficial do perfil de solo. Não é razoável afirmar que apenas 3 cm de solo foram responsáveis por quase metade da produtividade, porque eles sozinhos, se isolados do restante do perfil, não possibilitariam a sobrevivência das plantas. Porém, é plausível afirmar que eles foram imprescindíveis para a composição de quase metade da produtividade observada. Em outras palavras, a produtividade está em grande medida dependente do que há nos primeiros centímetros do perfil de solo.

O perigo nisso é que essa fina camada superficial do perfil de solo é a primeira a ser removida por erosão. Ela também está mais sujeita ao secamento e, por isso, é a primeira a perder potencial de contribuir com o fornecimento de água e nutrientes à planta. E se o restante do perfil de solo potencialmente explorável pelas raízes está sendo pouco acessado e, por isso, cumprindo mal sua função nutricional, certamente os cultivos ficam mais suscetíveis aos estresses nutricionais, hídricos e térmicos, culminando no decréscimo de produtividade que tem sido observado nas safras com escassez de chuva.


Também é importante salientar que há vários outros aspectos negativos além da perda de produtividade e que não foram abordados neste estudo piloto de parcelas. Uma abrangência espacial maior é necessária para a avaliação da perda de água, redistribuição e perda de sedimentos, de nutrientes e de matéria orgânica, contaminação e assoreamento de cursos hídricos etc. Dentro da lavoura há também outros prejuízos econômicos a serem contabilizados, como a perda de nutrientes e desembolsos mais elevados nas áreas erodidas devido à necessidade de uma reposição maior de nutrientes.
 

1Professor do Departamento de Solos da Universidade Federal de Santa Maria. [email protected]
2Estudante de graduação do Curso de Agronomia da Universidade Federal de Santa Maria.
3Estudante de graduação do Curso de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Santa Maria.
4Estudante de mestrado em Ciência do Solo da Universidade Federal de Santa Maria.

Referências

Elliott AC, Hynan LS. A SAS® macro implementation of a multiple comparison post hoc test for a Kruskal-Wallis analysis. Computer Methods and Programs in Biomedicine, vol 102, p. 75-80, 2011.

EMATER/RS-ASCAR. Impactos das chuvas e cheias extremas no Rio Grande do Sul em maio de 2024. Boletin Nº 01, maio, 2024.

Levien, R, Mazurana M, Selbach PA. Maio vermelho”:  o impacto do evento climático extremo na agropecuária gaúcha. Revista da AEAPA, Porto Alegre, p. 7 - 12, 18 dez. 2024.